Albino Carlos faz uma descrição lírica sobre o impacto desta entidade nas comunidades, reconhecendo o sentido sacrossanto atribuído pela comunidade, mas sem deixar de lado a sua real visão, de um sujeito híbrido, de um racionalismo sincrético que emerge da cultura cartesiana, mas é profundamente impactado pela cultura bantu. No entanto, como vive nesta era de profunda dissolução do inconsciente animista, não deixa de reconhecer a dimensão mitológica do ser em questão. Neste sentido, tem a necessidade de se servir de um verso de Fernando Pessoa, extraído do poema de exaltação heróica “Ulisses”: “O mito é o nada que é tudo”.
Tal como “Ulisses”, Cinganji aqui aportou, uma entidade divina num corpo físico; podendo ser apenas um homem mascarado, aceitamo-lo como Cinganji e isto nos basta. “Assim a lenda se escorre. A entrar na realidade”, diria Fernando Pessoa. Entretanto, é preciso esclarecer que este sentido sacrossanto não é percebido por todos e figuras como Cinganji, bakama, entre outras, no mundo contemporâneo, são alvos, não de profanação, porquanto, não se lhes reconhece mais essa dimensão divina, mas sim, de alguma violência simbólica devido o nosso fraco sentido de preservação cultural e a liquidez do mundo actual. Isto está associada à longa guerra civil e a indefinição de um ensino dominado pelo inconsciente colonial. Sobre a primeira razão, mudando fatalisticamente o modo de representação da narrativa, introduzido pela frase “Matem os vossos ídolos”, que Guns N´Roses usou em 1992, numa camisola abaixo da imagem de Jesus Cristo, numa tournée em Tokyo, o autor agrega à longa descrição do Cinganji, um evento de rusga durante a guerra civil em que um Cinganji é espancado por um soldado que o interpelara.
Em suma, o conto configura uma crítica a dessacralização das nossas figuras tradicionais, da queda da “Uanga”, enquanto instituição que regula comportamentos através do medo sobrenatural.
3- Por fim, no nono conto, “O Pombo Branco”, como em “Uanga”, de Óscar Ribas, Albino Carlos revela alegoricamente o triunfo do amor sobre qualquer forma de maldade. Dois melhores amigos, Dyá-bufo e Binayaye, entram numa contenda após o sumiço misterioso de um pombo branco muito cobiçado. Como a trama é regida simbolicamente pelas leis da prosa animista, Binayaye é punido severamente por um cazumbi, de acordo com o diagnóstico do quimbanda , que o prescreveu como receita, entre outros elementos, “uma galinha preta, um galo branco, uma pomba preta, um pombo branco”. O raríssimo pombo branco é o centro do problema e, num verdadeiro acto de altruísmo por parte de Dyá-bufo, vir-se-ia a constituir-se como a salvação.