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A Poética Dos Encontros Sensitivos E Cromáticos

Assim designámos este texto crítico porque é exactamente isto que acontece na Exposição Colectiva Detalhes da Emoção: Sentimentos, estilos e cores cruzam-se através da arte espelhada e espalhada nos quadros, por via de diversos procedimentos artísticos, como se poderá vislumbrar na descrição de cada um deles. Com efeito, é preciso esclarecer que não estamos em face de uma exposição para se averiguar quem melhor exercita o seu talento. Em face disso, em termos de qualidade, pregamos um relativo princípio de homogeneidade, em que só aqueles que usarem da lupa, chegarão aos âmagos dos artistas para puderem ver para além do óbvio e assim fazerem inferências. Trata-se de uma exposição colectiva que coloca Adilson Vieira, Jardel Selele, Marquês e Yssolo num quarteto mágico que, mais do que colocarem aos nossos olhos obras de arte, pretendem fazer passar pormenorizadamente uma mensagem, manifestos e tratados filosóficos sobre a emoção.

 A exposição, apresentada no dia 21 de Fevereiro de 2024 na Fundação Arte e Cultura, quer-se revelar igualmente como a amostra da diversidade da arte contemporânea produzida em Angola e expressão da singularidade de quatro artistas que, embora dentro de um quadro temático pré-determinado, são heterogéneos na abordagem artística e nos dizem de poesia através do implícito em suas telas. Cada um deles procura ser o mais sui generis no que faz. Em virtude disso, vamos, autonomamente, a cada um deles, conforme as suas telas se nos revelam: Jardel Selele, em “Engraçado”, concretiza a sua arte por via da impressão da fotografia de um sorriso em que o real e o imagético, inspirado em animações, se entrecruzam num choque térmico e cromático com pinceladas multicolor como forma de afloramento de uma felicidade com raízes tétricas, por conta do fundo negro, usando a técnica acrílica com veludo. Esta tese da felicidade tétrica é reforçada em “Sorriso de ouro”, vislumbrando-se a mesma paisagem negra, chamando-nos a atenção o olhar do menino que está à frente, cujo abraço fraterno parece despertar sentimentos de alegria, após um tétrico momento. Quando a alegria é revelada, pelas cores vivas, na sua natureza ontológica, na sua forma mais genuína, Jardel não pode intitular a peça. “Sem Título” é a expressão utópica da alegria e as cores estão certas como na peça a qual designa por “O medo”, um acerto total de cores, com uma personagem que cobre o rosto com as duas mãos, juntamente com a cabeça envolvidas num ambiente cromático que parece querer escrever, entre outras, as palavras inglesas Hell (inferno) ou Heel(salto), todas elas apontando para o “medo”.

Serafim Yssolo, por via da nota biográfica a que tivemos acesso, declara que o seu processo de criação artística busca um estilo distinto, baseando-se na apropriação das imagens criadas por si, através de diversos modelos fotográficos, sendo a mulher o foco do mesmo. As suas peças fazem jus ao seu dito. A mulher negra, nas suas múltiplas expressões, constituem os seus motivos filosóficos de pincelagem. Parece-me tratar-se de um artista com pretensões negritudinista. Suas peças, com excepção de “Além da interpretation”, configuram uma expressão de firmeza e seriedade da mulher angolana de matriz bantu, dentro do contexto actual. Há muito engenho artístico em Yssolo. Parece-me ser alguém que não duvida da sua arte, sendo produtor daqueles quadro que nos obriga a parar e a nos preocuparmos com o menos notável e se nos oferecesse-mos a uma interpretação mais completa, seriam páginas sobre páginas.

Marques entra nesta colecção ou exposição colectiva com um conjunto de quatro quadros bastantes interessantes. Com uma técnica ímpar que promove a invisibilidade facial. O humano moderno atravessado pelo mundo natural, de onde se refugia, para não aclarar as verdadeiras emoções. Na peça designada “Colecção Lugar Vazio, peça número 2” é notável a simbiose entre as cores dos pássaros e com as cores que estruturam os elementos da cultura humana, lenço e cadeira, assim como aproximação cromática entre o vestido e a folhagem. O que surpreende em Marques é a capacidade de nivelar o abstracto, construindo sentidos enigmáticos sem, portanto, ultrapassar o tecto do enigma. Talvez aqui resida o pressuposto existencialista advogado pelo artista.

Em Adilson Vieira, está a salvaguarda de um património ancestral milenar. Os resquícios do nosso passado, ainda imaculado, apesar do que os tecidos dos trajes nos podem sugerir. Tal como retratado em sua nota biográfica, consegue capturar a essência de cada retracto. A expressão do olhar e toda compostura do rosto em “fé” capta a não total firmeza humana em matéria de crença, resplandecida num rosto cuja beleza sobressai, lembrando-nos de alguém totalmente terrena. É como se conhecêssemos a mulher do quadro. Em relação à peça “Determinação”, vamos compreendê-la como uma metáfora sobre conservação cultural, pois, a expressão corporal, do nosso ponto de vista, parece uma antítese do pretensioso título e, por trás do “Sorriso Inocente” é notável a presença de alguma nostalgia, residindo aí, assim como em outras peças, os detalhes das emoções, entendendo-se assim que os sentimentos constituem um misto de sensações.

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