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A rebelião de Hélder Simbad

O lançamento do livro de poemas “A Insurreição dos Signos”, de Hélder Simbad, realizou-se, sexta-feira última, na Ubuntu-Casa das Artes- , no bairro Vila Alice, em Luanda.

28/05/2019  ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO 10H01

Na mesma ocasião, também foi apresentado o poemário “Raízes Cantam”, de Job Sipitali. Hélder Simbad e Job Sipitali são poetas jovens. Resultado: o momento exige que prestemos maior atenção às novas vozes que vão surgindo na poesia angolana contemporânea, sendo que também não devemos perder de vista o livro “Guardados numa gaveta imaginária” de Tchiangui Cruz, cujo lançamento foi em meados deste mês de Maio.

Livro de estreia ou quase – já que o autor trabalha simultaneamente em vários livros-, caderno de experimentações, feuille de route ou manifesto poético, a “Insurreição dos signos” que Hélder Simbad traz a público bebe do melhor e do mais irreverente da poesia angolana dos anos 80, por sinal a década no fim da qual ele nasceu, em Cabinda, para de maneira engenhosa colocar o foco na porosidade das interconexões culturais e linguísticas.

O lugar da palavra, entre as velhas fronteiras do musseque e da cidade, da cultura de elite e a cultura de massas, dos saberes letrados e das estratégias comunicativas iletradas, das maneiras de falar o português padrão e a suas formas de argot popular, é o instrumento de que se serve o escritor para dar forma e substância ao seu livro.

O que surpreende muito gratamente na “Insurreição dos signos” é a capacidade de gerar tanto associações semânticas e conceituais como imagens poéticas que, no seu conjunto, parecem contar uma história com diferentes estruturas (poemas com estruturas de peça de teatro, susceptíveis de serem encenados, poemas com estruturas musicais, que podem ser cantados, e poemas que mais parecem epitáfios) e registos (humor, crítica social, pesquisa lexical, endogeneidade artística e cultural, caos e revolução, tradição e irreverência, racionalidade e loucura, boémia e contenção) que, entrelaçados, participam da recriação das palavras e da estruturação de um poemário em verso livre.
“Insurreição dos signos” é um livro dúctil, com uma estrutura curiosa, tanto porque os títulos aparecem no fim dos poemas, como porque, – é uma opção a não descartar-, o livro pode ser lido tanto da primeira à última página como no sentido inverso.

Além do mais, é um livro cheio de neologismos: o autor não se coíbe de criar novas palavras por aglutinação e ou justaposição (brincandando, shomício, deusdiabo, caminhandando, azulpreta, vagueanda, aguiacorvos, procurandando, pedracaminho, escrevandando, passeandam, kizombandando ) e ou por fragmentação ( dis para, surreal idade, mani(pulando), interroga acção) enfatizando, em todos os casos, o dinamismo da vida.

Rigorosamente falando, a esta “insurreição dos signos” propugnada por Hélder Simbad corresponde, também, uma insurreição dos significados e do perfil dos leitores e, por conseguinte, é reflexo de uma revolução ou disrupção maior que podemos verificar, nos últimos anos, na arte, na política, na sociedade e na cultura angolana, resultado, por um lado, do desfuncionamento do sistema de ensino, da despudorada exibição do semianalfabetismo e, por outro, do acesso às tecnologias de informação e da normalização de novos padrões da escrita, produto do surgimento da linguagem por vezes geringonça, própria da rapidez e síntese da comunicação instântanea.

No entanto, a “Insurreição dos signos”, de Hélder Simbad, evita a atrofia e as incorrecções mundanas da escrita de sobrevivência e do desespero que tem medo de ser excluída das transformações da era digital e da Internet para, no seu caso, inscrever-se duma démarche construída com ofício, burilada com critério e reflectindo um espírito livre e experimentalista.

A liberdade criativa de Hélder Simbad permite-lhe também procurar caminhos nunca ou pouco explorados, sem deixar de dar indicações claras de uma poesia madura, que não foge das principais problemáticas do homem e da sociedade angolanas de hoje e que, como faz questão de dar a entender no manifesto com que termina o livro, reflecte uma estratégia poética definida.
“Insurreição dos signos”, de Hélder Simbad, é, pois, expressão da rebelião social que traz à literatura, especificamente à poesia, a revolta das palavras que resultam da transumância delas do âmbito underground à uma nova jurisdição da fala que mostra, também, a da nossa realidade, que se modifica com a mesma facilidade que a ductilidade de um acordeão desvairado.

https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/detalhes.php?id=429051

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