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Moderna Literatura Angolana: Uma Conversa Com Hélder Simbad

By Hirondina Joshua / Junho 12, 2019

Ibinda Kayambu ou Hélder Simbad é heterónimo de Hélder Silvestre Simba André, nascido aos 13 de Agosto de 1987, na província de Cabinda, em Angola. Professor, escritor, poeta e crítico literário. Licenciado em Línguas e Administração pela Universidade Católica de Angola. Publicou «Enviesada Rosa»(Prémio Literário António Jacinto) em Angola e «Insurreição dos Signos» em Portugal. Conta com vários textos e artigos publicados em antologias, revistas, jornais e sites nacional e internacional.

Hélder Simbad, um nome notório da nova geração das letras angolanas, autor galardoado com o Prémio Literário António Jacinto 2017. Engajado nos trabalhos literários em Angola, por meio de artigos e reflexões no Círculo de Estudos Litteragris.

Hirondina Joshua: Quando se fala do não desfalecimento do homem, da não cessação do que tem de mais valioso, fala-se na própria poesia.

Hélder Simbad: Para não ser supérfluo, de todo, eu diria que está também na «própria poesia» na medida em que a compreendo como um complemento – indispensável, diga-se – que decorre dessa necessidade de se expressar, que aflige os homens que nascem com essa predisposição para cultivar a arte poética.

A «poesia», apesar da sua condição de ser revelada ou de se revelar diariamente, apesar de ser uma matéria do universo interior do ser humano, não é oculta, pressupondo uma dimensão metafísica; e está indubitavelmente entre os mais bem guardados tesouros humanos. Nessa era em que o homem segue desprovido da razão, a poesia será aquele objecto de terapia que nos poderá curar da brutalidade.

HJ: Poesia não como um género literário, a construção de formas imperfeitas. Como se enquadra a nova literatura angolana.

HS: Nenhuma geração literária nasce de forma coesa e perfeita. Ademais, sabe-se que a excelência é uma construção que se dá por via de diversas operações: leitura, ouvir e exercícios sistemáticos de criação. Vivemos agora o período literário a que designámos por pós-4-de-Abril, período que nos remete aos acontecimentos do pós-guerra-civil, um dos períodos mais negros e complexos da nossa história. Esse período de paz efectiva, uma paz consubstanciada apenas no calar das armas, porquanto continuamos a ver esse processo de reconciliação nacional como uma utopia cujas barreiras assentam em assuntos complexos como tribalismo entre outras sombras.

A nova literatura angolana é multiforme e assume, portanto, diferentes tonalidades. Há os da continuidade, há os iconoclastas e os que se colocam entre a continuidade e a iconoclastia.  Ela concretiza-se, hoje, principalmente por via das Associações Cívico-literárias e Movimentos Literários (Lev’Arte, Movimento Cultural do Cunene, Círculo Literário Letras Vivas, o Movimento de Spoken Ward, ALCA e o Movimento Litteragris).

Essa «construção de formas imperfeitas» a que te referes faz-me lembrar de uma pergunta de Tzevetan Todorov, cuja interpretação confluiria na seguinte questão: se é possível a não compreensão da poesia desembocar em um Movimento Literário?

Quase todas as associações cívico-literárias tinham como pretensão à criação de um Movimento Literário nos termos clássicos (romantismo, simbolismo, surrealismo etc.). Falharam porque decidiram afirmar-me primeiramente como instituições que, através de algumas acções subjectivas conseguem algum poderio financeiro para se afirmarem socialmente, esquecendo-se do objecto principal: a qualidade da literatura e uma ideia de arte a apresentar para essa sociedade. Essas associações caracterizam-se como grupos heterogéneos sem uma ideo-estética comum, cujos integrantes, na sua maioria, vagueiam à deriva num mar desconhecido e aqueles que o conhecem efectivamente vêem-se impossibilitados de orientar porque os líderes não perseguem os desígnios da literatura.

Dentre todos os grupos, o Movimento Litteragris afirmou-se como movimento literário: possui uma ideo-estética comum, uma revista (Tunda Vala), manifestos e homogeneidade reticente. O Movimento Cultural do Cunene e o Círculo Literário Letras Vivas do Uíje caminham para a mesma direcção, mas vêem-se em dificuldades por estarem distante de Luanda e Angola, infelizmente, continua a ser um país em que o poder e a economia se restringem à capital, Luanda, e às províncias do litoral.

Em termos de qualidade destacaria uma dezena de obras: Raízes Cantam, de Job Sipitali; As Simetrias de Mulheres, de Cíntia Gonçalves; Todos Nós Fomos Distantes, de Luaia Gomes Pereira; Enviesada Rosa e Insurreição dos Signos, de Hélder Simbad; Mahambas, de Oliver Kiteculo; O Candidato, de Jeremias Manuel etc.

Importa referir que a minha a visão sobre o devir da literatura angolana não é apocalíptica. Existem muitos jovens, bons, que ainda não publicaram e poderão enriquecer a nossa geração.

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Capa do livro “Insurreição dos Signos” de Hélder Simbad

HJ: Há condições para se ser poeta? O que mais a poesia anseia na voz do autor?

HS: Há sempre condições para se ser poeta, mesmo quando não há materialmente, se estivermos a falar de um país como o meu, em que o livro é um produto de quinta categoria. Ser poeta é uma forma de estar. Quando vou com amigos meus a um evento de elite, antes de entrar activamos o «modo poesia» e somos capazes de entrar com a roupa que nos convier e divertir-se livremente sob o olhar atento dos estereótipos. Repito: há sempre condições para se ser peta. O livro é só um pretexto e por vezes nos faz retirar o título a indivíduos que um dia autoproclamaram-se poetas.

A poesia anseia a verdade na voz do autor e de quem a lê. Pessoa dizia que o poeta é um fingidor; Drummond, na sua procura pela poesia ensina a não mentir. Os dois dizem a mesma coisa. A dor de outrem é nossa, não podemos mentir ao expressá-la.

HJ: Será a poesia um espaço de debate ou um processo de falhas contínuas e invisíveis?

HS: É tudo isto. A poesia é uma construção humana que nos remete no domínio da antropologia cultural. As culturas não são estáticas. Na poesia vive-se o conflito dialéctico entre as diferentes gerações, a aceitação ou assimilação, a recusa e etc. As falhas nunca são invisíveis. O ego do poeta é que vende quimeras e leva-o a crer que atingiu a perfeição, até um judas chegar e repor a verdade. A tua pergunta é a resposta à questão por que, dentre vários textos ou obras, destacar um, dois, três, quatro, cinco poemas ou obra?

HJ: Centro dos palcos do mundo, a mulher é evidência mesmo quando oculta. Como ela é na literatura angolana.

HS: A mulher, vista pelos poetas de sexo masculino, continua a ser um objecto estético e ser tematizada sob diferentes prismas: erotismo, hipersexualização, fenómeno zungueira, mãe, causadora de traumas etc. Do lado das próprias mulheres, estando em voga o feminismo, a atitude é, como é óbvio e muitas vezes justa, de reivindicação social, emancipação e outros assuntos atinentes. Por outro lado, essa hipersexualização da mulher a que criticamos de forma implícita ao nos dirigirmos aos homens, é reforçada pela própria mulher, principalmente no discurso spoken word.

HJ: Diz-se que quem escreve vive uma infância perpétua; gêmeos: Moçambique e Angola. Olha semelhanças nas suas escritas?

HS: Algumas apenas. O que é normal, atendendo a distância e a dificuldade de circulação de livros. De moçambique conheço a poesia de Amosse Mucavele, Hirondina Joshua, Jaime Munguambe, Norek-Red d’Esperança. Sinto que a poesia surrealista, metafísica vai unindo alguns poetas. Mas cada um vai assumindo um tipo de poesia de acordo com o contexto, apesar de quase similar.

O colonialismo logrou-nos uma língua que nos obriga a sermos solidários no contexto geopolítico global, ao ponto de lembrar uma relação entre irmãos; a nossa Literatura. A nossa historiografia literária se configura como uma rede de influências que se remontam desde os escritores nacionalistas como Agostinho Neto, Alda Lara, José Craveirinha e Noémia de Sousa; e actualmente Mia Couto e Agualusa. Luandino Vieira e Mia Couto partilham os neologismos de Guimarães Rosa. Há uma boa relação entre escritores da nova geração de Angola e Moçambique.

HJ: É jovem, poeta e crítico literário. Que anseia para a nova poesia angolana?

HS: Futuro risonho. Conheço os autores de perto, na sua maioria. Está a crescer qualitativamente porque as pessoas estão a descobrir que já mais escreverão bons poemas se não lerem.

Obrigado em nome de todos os jovens angolanos e por essa relação. Para nós vocês têm servido de exemplos.

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